Há alguns dias uma amiga compartilhou, ou curtiu, ou recomendou (ou não foi nada disso: grande chance) um link no Facebook que me emocionou: Bebês dormem em caixa de papelão na Finlândia. O título não é algum tipo de chamariz de audiência, a matéria é exatamente sobre isso: há 75 anos, o poder público da Finlândia distribui um kit a todo recém-nascido cuja mãe esteve ao menos uma vez num consultório da rede de saúde pública do país até os quatro meses de gravidez. Roupinhas, itens de higiene, fraldas, lençóis e uma caixa de papelão cuja finalidade, além de organizar essa cacarecada toda, é servir de berço pro bebê. Além de manter o bebê seguro (era hábito colocar a criança pra dormir na mesma cama que os pais, deuzolivre), a caixa também tornou-se o símbolo da forma como o governo vê seus cidadãos. Os finlandeses nascem iguais, depois disso a responsabilidade é de quem cria.
Oi, eu sou um bebê. Pra resumir, eu preciso da minha mãe. :)
A igualdade e a simplicidade da iniciativa me comoveram. Um bebê saudável, falando em termos de coisas, não precisa mesmo de muito mais do que a Finlândia oferece. Fora isso, bastam amamentação, colo, higiene, amor. Coisas de animal que nós, civilizados, também sabemos prover.
Uns dias passaram e alguém da minha timeline (desculpa, amigo/a cuja identidade esqueci: estou falando de você) interagiu com esse conteúdo:
São recém nascidos acondicionados em caixas de papelão. Elas não estão sujas, ou boiando, ou infestadas. Bebês cabem numa caixa de papelão, então me parece ok que crianças saudáveis em um ambiente saudável possam ficar numa caixa de papelão, assim como poderiam estar em um berço, ou em um aquário, ou no colo de alguém. Não precisa ser na FINLÂNDIA. Neste momento, o Kisuco cerebral ferve e gente como eu pensa o seguinte:
1. Seria isso o BRAZIU mesmo?
2. Em sendo isso o BRAZIU, por quê da indignação das amg no FB?
Tentando encontrar (em vão) a resposta para a primeira questão, uma coisa descobri: a foto não é brasileira, não é atual, não é obra da Dilma – ainda que algumas fontes sugiram que é arte de médicos cubanos. Pode ser na Venezuela, pode ser no México, também. Meus hackpowers não me levaram à resposta exata. Mas não foi semana passada e não foi na Bananaland. A publicação alcançou números escandalosos de engajamento graças a uma informação truncada. Muita, MUITA gente replicou essa imagem e xingou muito nas últimas semanas, certamente infectada pelo contágio emocional causado pelas manifestações do contra que vêm acontecendo recentemente. Acho ótimo que as pessoas apontem seus dedos pra aquilo que não está funcionando e estou amando esse momento de indignação popular. Tenho certeza que muita coisa não está funcionando, incluindo atendimento hospitalar a recém nascidos, mas procurar a fonte antes de mandar adiante é a regra número um da internet (a número zero, sempre válida: NÃO É A VIDA, é só a internet).
A resposta pra segunda questão envolve aspectos sociais e me sinto ignorante suficiente em sociologia pra opinar. Os tempos atuais são muito loucos no tratamento do resultado da reprodução humana. As mulheres são praticamente obrigadas a terem filhos; as gravidezes são praticamente obrigadas a serem momentos de puro êxtase compartilhados e os bebês são obrigados a deixarem seu papel de crianças para serem alçados ao papel de gente pequena, posando desde a fase intrauterina e ostentando COISAS/coisas de grife. E às vezes essas situações também ter que ser compartilhadas, via de regra no formato perfil do Facebook de um ser analfabeto e incapaz de decidir se quer ter a vida publicamente exposta no nível pormenores, com gente emulando suas falas – no padrão John Travolta naquele filme bizarro, só que sem a ironia, que salvava o bebê do filme.
Suri Holmes carrega sacolinha Hermes igual à da mamãe. TSÁ?
Sei lá, né, gente? Coisas são para os grandes – quando eles têm desejo, condições e necessidade, preferencialmente. Temos tão pouco tempo com os pequenos e eles têm tantas outras demandas. Temos aí tanta grama a ser pisada, jogo a ser jogado, história a ser contada, de comida a ser provada, de experiência a ser vivida. Dá pra ser bem mais com bem menos, ninguém precisa de enxoval de Miami pra ter dignidade. Taí a Finlândia pra provar isso – país que, além do kit para os recém nascidos, trouxe-nos o campeão Kimi Raikkonen e também dá ao mundo uma lição de educação e coloca seus alunos no primeiro lugar do PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, promovido pela OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Aqui tem um conteúdo bem completo sobre esse tema.