Lavagem

Às vezes, ainda me assusto com os preços das coisas em Maputo. Semana passada, fomos mergulhar em Tofo, Inhambane, e, depois de sair da água, meu ouvido tampou-se um pouco. Dei umas batidas com a cabeça no cimento para ver se destampava, mas nada. No outro dia, depois de dormir, piorou. Fiquei quatro dias escutando somente do lado direito.

Ontem, resolvi ir ao médico. Ele conversou comigo por um minuto, examinou meu ouvido e, como esperado, disse-me que era necessária uma lavagem. “Do it!”, teria gritado eu. Depois da tal lavagem e alentadoras palavras como “Não precisa se envergonhar, esses gremlins que saíram daí são normais”, fui ao caixa pagar. Para minha surpresa, a recepcionista me mostrou o valor da fatura: centro e vinte e seis american fucking dolars. Visto que o tempo gasto não foi maior que vinte minutos e o material foram somente luvas, soro e uma seringona, imaginei que o custo do procedimento devia-se ao coeficiente de simpatia do dotô.

Era um senhor muito boa praça, um russo que já mora em Moçambique há tempos. Falamos um pouco sobre mergulhos com cilindro – na língua dele, era “algo como aqualung” -, e depois me apresentou para o rapaz que ficara sentado à mesa de consulta enquanto ele extraia vergonhas da minha orelha. Quem eu pensara ser um estudante de medicina estagiário, na verdade, era filho do doutor. Interessou-se quando falei que trabalhava com informática. O rapaz chegou recentemente à cidade depois de estudar cinco anos no Zimbábue e fazer faculdade de informática na Cidade do Cabo. Trocamos duas palavras sobre Java.

Bem, foi feito o que deveria ser feito e escuto bem como nunca. Só me assusto de verdade quando penso nas pessoas que têm que fazer algum tratamento médico mais sério. Quem puder, paga, pois não se poupa para a saúde. Quem não pode, convalesce em hospitais públicos sem médicos, sem medicamentos, sem leitos, sem janelas. Uma amiga contava-me esses dias sobre as condições dos hospitais na periferia. Às vezes, é triste demais olhar ao redor.

A enfermeira que instrumentava enquanto o médico lavava meu ouvido pôs a mão no meu ombro e disse “não vai doer”. Com um olhar disperso, mexeu em meu cabelo e comentou que tinha caspa. Amável aquela enfermeira.

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